Começa mais um turno e a técnica de enfermagem Karina dos Passos se apresenta ao Setor de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí. Sua rotina de trabalho, que normalmente envolve cuidados a pacientes críticos, pós-cirúrgicos, acidentados com múltiplas fraturas, enfartados, oncológicos ou pacientes paliativos, mudou desde o dia 16 de março, quando o hospital isolou o Centro de Tratamento Intensivo para receber somente casos graves de Covid-19.
Assim como Karina, todos os profissionais da área da saúde de Santa Catarina tiveram que se adaptar para o enfrentamento a uma doença ainda desconhecida, que já ceifou a vida de dezenas de catarinenses. As mudanças não foram somente no aumento do cuidado com os equipamentos de proteção individual (EPI’s), mas mais profundas, como nas incertezas no tratamento da Covid e na intensidade na relação entre profissional e paciente.
“Em uma UTI, sempre criamos uma expectativa de melhora ou de cura para o paciente. Não estamos lá só para medicar e prestar cuidados de higiene e conforto, mas realmente queremos o melhor para ele. A empatia, que sempre fala mais alto nesta profissão, é ainda mais importante com a Covid-19, por estarmos lutando contra o desconhecido, que age de forma diferente em cada paciente. Então estamos sempre na expectativa, na torcida por ele. Quando o paciente acorda e interage conosco com um sorriso ou uma palavra, dar boas notícias para a família por telefone é gratificante demais”, descreve a técnica de enfermagem.
Em São José, Luciana Galvão Paes da Rosa é enfermeira há 27 anos no Hospital Regional de São José Homero de Miranda Gomes e atualmente coordena o Serviço de Enfermagem da Emergência Geral. A presença constante do profissional de enfermagem, no cuidado 24 horas com o paciente isolado da família e amigos, acaba construindo um elo de confiança importante, segundo ela. “Alguns pacientes são mais tímidos e não verbalizam as angústias e o sofrimento que sentem, mas a face e os gestos revelam as incertezas, os medos, a saudade da família”, conta ela.
A fé em Deus tem sido fundamental para Luciana atravessar esse momento de pandemia, juntamente com o apoio do marido e do filho de 13 anos. “Antes de me tornar uma profissional de saúde, com conhecimento técnico e científico, nasci e cresci sob valores cristãos. Católica, recebi de herança da minha mãe um testemunho de fé e devoção. E não por acaso, minha sogra também deixou um exemplo de fé e dedicação à Igreja. A melhor coisa que podemos ter neste momento é a fé em Deus. A fé é alimento para nossa vida; é o que nos sustenta”, explica.
O Papa Francisco, o Arcebispo Dom Wilson Tadeu Jönck, padres e leigos do mundo inteiro têm rezado pelo fim da pandemia e pelos profissionais da saúde que estão na linha de frente desta “guerra”. Karina conta que as mensagens e orações “reconfortam e encorajam a mim e meus colegas. Somos poucos, mas temos um exército de intercessores conosco. Somos fracos, mas as orações nos fortalecem”.
Católica, Karina encara a sua profissão, especialmente agora durante o enfrentamento ao coronavírus, como sua vocação: “O ato de cuidar transcende a escolha profissional. Vai muito além. É dom. Podemos achar que não temos mais recurso para aquele caso. Aí vem a fé de que vai dar tudo certo, acreditar que Deus nos acompanha sempre”.
A pressão de estar na linha de frente
Alini Hammes Teixeira trabalha na Emergência do Hospital Regional de São José, onde chegam os pacientes suspeitos de Covid-19. A cada turno, a fisioterapeuta tem que lidar não são somente com as ansiedades dos pacientes, mas também com as que carrega em seu coração.
“Chego no hospital com receio e ansiedade para ver como está o setor, principalmente a parte destinada à Covid-19. Além disso, percebo que toda a equipe está mais tensa, pois todos temos medo de adoecer ou, pior ainda, de transmitir a doença para alguém de nossa família. Estamos lidando com uma doença desconhecida, já que todos os dias surgem novos estudos e novas recomendações. O que faz com que estejamos estudando diariamente”, aponta Alini.
A tensão diminui quando Alini volta pra casa, para os braços do marido e da filha de 8 anos, mas continua em forma de proteção da família, com a escolha dela permanecer de máscara o tempo inteiro, inclusive na hora de dormir.
A fonoaudióloga Daniela Bernadete Vieira Martins, que trabalha no Hospital Marieta, levou um susto quando teve que ser isolada do marido e das duas filhas em casa por suspeita de Covid-19: “No início da pandemia em Santa Catarina, ouvia-se falar muito dos casos de contaminação e preocupação com o desconhecido. Em meio a tudo isso, tornei-me suspeita de Covid-19, precisando ser afastada das minhas funções e totalmente isolada de todos. Senti medo nesse tempo de ‘quarentena’ de 14 dias. Foi muito difícil, pois comemorávamos o meu aniversário e o de minha filha, tendo que ficar sozinha em um cômodo da casa”.
Mas, apesar dos desafios, as profissionais dão testemunho de força e esperança, que deve sempre guiar os ânimos em frente à crise. “Não permitamos que esse vírus bloqueie nossas vidas e destrua nossas esperanças. É preciso decidir-se pela vida. Por favor, tenham empatia e fiquem em casa”, finaliza Daniela.
Reportagem publicada na edição de junho de 2020 do Jornal da Arquidiocese, página 6.